Zé Catimba é homenageado na Paraíba



Cidade natal de Ismael Silva, fundador da primeira Escola de Samba do país, Niterói  abriga outros grandes nomes da música brasileira. É o caso de Zé Catimba, o compositor paraíbano, premiado com o Estandarte de Ouro 2013,  reside há mais de 40 anos na cidade.

Saiba mais sobre este premiado compositor, no texto do jornalista Fernando Paulino.


Cidadão Samba e Estandarte de Ouro 2013 no Carnaval do Rio, Zé Katimba prepara volta à Paraíba

 Fernando Paulino

 Longe de sua terra natal há 70 anos, o Cidadão Samba do Rio de Janeiro e Personalidade do Ano, escolhido pelo júri do prêmio Estandarte de Ouro 2013, o cantor e compositor Zé Katimba prepara a volta à Paraíba, prevista para março próximo. Vai rever Guarabira, município situado no Agreste Paraibano, de onde, aos 10 anos de idade, saiu levado pelo pai e mãe fugindo da seca, e nunca mais voltou. Katimba e família chegaram ao Rio de Janeiro como clandestinos de navio. Por coincidência, a primeira morada foi no Largo da Batalha, em Niterói, que tem esse nome em homenagem à primeira batalha de confete que foi realizada na cidade. Depois, se mudaram para os morros cariocas.

Agora no Carnaval de 2013, Katimba foi eleito Cidadão Samba do Rio, numa votação pela internet da qual participaram mais de 30 mil pessoas. Na disputa, tinham monstros sagrados do samba como Nelson Sargento, Martinho da Vila, Monarco, Neguinho da Beija-Flor, entre outros. O concurso teve o apoio oficial do Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, sob organização jornal Extra. Já durante o desfile das escolas de samba do grupo especial do Rio, Katimba foi eleito Personalidade do Ano, pelo júri do prêmio Estandarte de Ouro, organizado pelo jornal O Globo.

Provavelmente em março próximo, Zé Katimba estará em Guarabira para receber uma série de homenagens da Prefeitura local: “Eu gostaria de fazer um show em praça pública na minha terra. Queria também falar com os estudantes de Guarabira, para contar minha experiência de vida, dizer pra eles que é importante resistir”, imagina Katimba.

Na certidão de nascimento, Zé Katimba é José Inácio dos Santos, filho único de Joseja Francisca e João Inácio. Hoje, tem 80 anos de vida e 53 de Grêmio Recreativo Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense, que ajudou a fundar. Uma das suas obras imortais - “Martim Cererê” – está fazendo agora 41 anos. O samba virou trilha sonora da novela Bandeira 2, de Dias Gomes, exibida na Rede Globo, no início dos anos 70. “Foi o ano que conseguimos furar o bloqueio das quatro grandes escolas da época. Todos os anos, as quatro primeiras colocações ficavam entre Mangueira, Portela, Império e Salgueiro. Mas no Carnaval de 72, ficamos com o quarto lugar, com o enredo Martim Cererê. O samba bombou. O compacto que lançamos vendeu mais de 700 mil cópias”, lembra Zé Katimba. “Martim Cererê” Katimba fez em parceria com Gibi.

Na época da ditadura militar, Katimba participava de rodas de samba para angariar fundos para a resistência popular contra o regime militar. Certa vez, as paredes do prédio onde morava, em Ramos, amanheceram pichadas com a inscrição ‘Eles não voltarão’, numa clara alusão contra o movimento por anistia política. O fato é que o universo do samba também sempre foi palco de disputa política. Na Imperatriz, não seria diferente. Nos bastidores, havia também o jogo democrático: de um lado, alguns conservadores, que apoiavam a ditadura; de outro, a turma progressista.


“O presidente da época era o Nonoca. A gente estava na campanha eleitoral do Lisâneas Maciel, que era o nosso candidato a deputado federal pelo antigo MDB. Certa vez, nós o levamos para um samba na quadra. Ele era convidado da Ala dos Estudantes, quer dizer, um convidado da escola, mas Nonoca não quis saber e recusou-se a  liberar uma mesa para o Lisâneas. Aí o Katimba armou uma mesa pra gente. Katimba, com prestígio na escola e essencialmente catimbeiro, resolveu bancar os estudantes, viabilizando o funcionamento da ala. Acertou, então, que os meninos se reuniriam num espaço que servia de depósito das peças da bateria – local ideal para quem estava na clandestinidade política”, lembra Jorginho, hoje o médico Jorge Luiz Ramos Teixeira, então integrante da Ala dos Estudantes. No trabalho nas comunidades, Katimba ajudava na distribuição do jornal do Partido Comunista Brasileiro, a Voz Operária.


Tendo Katimba e Jorginho à frente, as noitadas de samba na Imperatriz serviam de ponto de encontro da turma de esquerda da cidade. Por lá, nos anos de chumbo, passaram Nilcéa Freire (ex-ministra dos Direitos da Mulher do Governo Lula), Domingos Fernandes (militante da luta armada que foi trocado pelo embaixador americano Charles Elbrick), João Saldanha (militante do PCB, jornalista esportivo e técnico da Seleção Brasileira de Futebol), Carlos Minc (hoje, secretário de Ambiente do Estado), Perfeito Fortuna (colaborava no trabalho realizado na Igreja de São Geraldo, em Olaria, e foi figura notável na criação do Circo Voador), Luiz Travassos (militante do movimento estudantil e posteriormente trocado pelo embaixador americano sequestrado), Luiz Roberto Tenório (médico, militante do PCB, que foi preso e torturado), Wladimir Palmeira (grande liderança estudantil na época), Antônio Sérgio Matos (era estudante de Direito; freqüentava as rodas até cair na luta armada. Faleceu vitimado pela violência da ditadura militar) e os escritores Mário Lago e Dias Gomes.


Certa vez, em plena ditadura militar, Katimba e Jorginho participaram de um festival de música organizado pela Aeronáutica. O tema único era Santos Dumont. Mandaram uma letra que falava de liberdade. O público delirou. Ganharam nota 10. Mas aí os milicos, bastante contrariados, disseram que ainda tinham de ouvir um outro corpo de jurados formado só por militares. Perderam. A música só pode ser gravada anos depois. Mesmo assim, queriam mudar a letra, mas Katimba não aceitou.

Katimba costuma dizer que tem uma história única. “Na vida, fui de tudo um pouco: camelô, limpador de fossa, porteiro, ajudante de pintor. No samba, fui puxador de corda, mestre-sala, dirigente, compositor”, lembra. Agora, com o retorno à Paraíba, sua vida passará a ser única e completa.



*Fernando Paulino – Jornalista e autor do livro “Zé Katimba – Que grande destino reservaram pra você”.

Foto: Sambaderaiz.net

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