Admirável mundo conectado.



Veja, ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que o senhor tem a seu lado. E, no entanto, acredite, quase morreu de esquisitice . Salvou-o o smartphone conectado.

A conhecida propaganda do Rum Creosotado nos antigos bondes do século XX,  alertava para os benefícios de um santo remédio em uma época onde tudo costumava passar bem devagar. O tempo acelerou, as necessidades mudaram e a agora nos vemos inquietos diante das mudanças que ocorrem em um ritmo alucinante.

No século XXI, A atenção dedicada aos dispositivos móveis, pode ser observada nas ruas, nos transportes públicos: trens, ônibus  barcas. Por onde se olhe, há sempre alguém magnetizado pelo celular. Objeto do desejo da modernidade líquida, a distração proporcionada por estes aparelhos não deixa ninguém completamente solitário na imensidão urbana em que vivemos.

São estes objetos e seus aplicativos que nos mantém em permanente estado de alerta, fornecendo informações  e opiniões em tempo real que mudam nossa forma de ver e observar o mundo.

Desde a invenção dos tipos móveis que a nossa forma de se relacionar e interpretar a realidade vem se modificando. Ao popularizar o acesso aos conteúdos que antes eram um privilégio de uns poucos afortunados, a prensa de Gutemberg estimulou a necessidade de qualificação para a  leitura, ampliando o leque dos letrados e das pessoas com capacidade de intervenção na esfera pública.

Se o livro e os jornais alargaram os horizontes de seus leitores, a tecnologia do século XXI inseriu multidões nas comunidades informativas, não mais como receptores e consumidores de notícias, nem como meros reagentes das informações publicadas mas como ativos produtores de conteúdos capazes de observar e interpretar o mundo pelas suas próprias angulações.

Seria ingenuidade, no entanto, desprezar o papel das corporações de comunicação na formação de seus públicos, provocando indignações e estimulando reações próximas do conservadorismo transmitido em décadas de doutrinação, não apenas pelos noticiosos exibidos em horário nobre,  mas a partir de programas como séries, novelas, shows e debates.

Nestes últimos, o contraponto, o contraditório, as vozes dissonantes se tornaram uma raridade para dar lugar ao discurso único e à fala monocórdica de especialistas amigos e colunistas amestrados.

Tudo isso agora chega de modo instantâneo pela internet móvel, ao mesmo tempo em que novas formas de organização se constituem estabelecendo outras fontes de produção de conteúdo ainda insuficientes para fazer frente a todo complexo comunicativo das grandes corporações, mas pelo menos capaz de gerar inquietações e compartilhamentos.

Tais inquietações aumentam a exigência de públicos com discernimento crítico que não se deixam seduzir pelas mídias convencionais e pelos partidos conservadores. A demanda por uma nova política mais interativa e com mecanismos de participação  aprimorados deve levar em conta os desejos e as diversidades existentes na sociedade. É urgente encontrar formas que propiciem a troca de experiências, o compartilhamento de inovações e as condições para um permanente diálogo na democracia.

Enquanto isso, a previsão distópica de Black Mirror invade a realidade contemporânea. A sensação é de um choque do futuro se realizando  no presente onde a perplexidade com o ressurgimento do fascismo se confunde com a estranheza luminosidade dos novos tempos digitais.

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